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Entrevista com a divulgadora espírita Mayse Braga

Atualizado: 13 de jan. de 2020

Leia a esclarecedora, alegre e iluminada entrevista com a representante do Espiritismo, Mayse Braga, uma das principais oradoras espíritas do país.



Há mais de quarenta anos, Mayse Braga vem divulgando a Doutrina Espírita com vigor e com alegria. Erradicada na Comunhão Espírita de Brasília, a oradora já palestrou por todo o Brasil e por diversos países, levando a mensagem de amor, de força e de caridade aos lugares por onde passa. A palestrante, atualmente, apresenta o programa Conversando com Mayse, pela TV Comunhão, canal hospedado no YouTube, plataforma na qual pode-se encontrar diversas de suas palestras. Oradora desde que se conhece, conforme afirma a própria entrevistada, fala sempre sobre vida, sob a luz do Espiritismo.


A Doutrina que professa foi codificada na França, no final do século XIX, por Allan Kardec, cientista cético, que, após o contato com manifestações espirituais, codificou as mensagens dos espíritos de luz. O Espiritismo tem como lema "fora da caridade não há salvação", exortando a todos seus fiéis o exercício da ação desapegada e desinteressada em favor do próximo. Sua base principiológica fundamenta-se na existência de Deus, na imortalidade da alma, na pluralidade das existências e na comunicabilidade com o mundo espiritual. No Brasil, país de Chico Xavier e de Divaldo Pereira Franco, a Doutrina Espírita, que se define como ciência, filosofia e religião, tem crescido exponencialmente, tornando-se uma das principais religiões na sociedade brasileira. Sobre o Espiritismo, sobre sua vivência na Doutrina e sobre a vida, Mayse Braga, alegremente, concedeu-nos a entrevista a seguir.


Mayse, sua história com o Espiritismo inicia-se na infância. De que maneira foi sendo construída sua relação com a Doutrina Espírita?


Meus avós paternos eram espíritas, em uma época, década de trinta e quarenta, que isso era desafiador, mas meus pais não tinham religião. Desde pequena eu via os espíritos, e era problemático, porque eu falava aparentemente sozinha, em casa, no ônibus. Minha mãe me repreendia com beliscões (risos). Mas não tinha jeito, eu percebia que eu vivia em outro mundo, de que as almas sofredoras me procuravam (isso hoje eu sei, mas naquela época era um pouco confuso).


Fui católica, fiz minha primeira comunhão, e quando nós nos mudamos para Brasília, o Frei Osório, capelão do Exército, era quem escutava minhas confissões. Comecei a ver meu avô que tinha morrido, quando eu tinha sete anos, e fui contar na confissão o que estava acontecendo. O Frei esclareceu-me dizendo que seria o demônio na forma de meu avô. Foi então que discordei. Uma pessoa que me amou e que só aparecia para me dar conselhos bons não poderia ser o demônio!


Saí da Igreja, fiquei ruim, pois tinha uma tristeza sem fim. Minha mãe, que tinha mediunidade, foi direcionada à Comunhão Espírita de Brasília. Ela somente conectava-se com almas suicidas. A Comunhão foi a sua solução, pois sofria tremendamente. Eu, por outro lado resisti até onde pude, mas o sofrimento também era grande. Aos treze anos, afastei-me dos amigos, perdi o ano na escola, e sentia uma tristeza imensa, inexplicável. Com quinze anos, a situação piorou muito, e meu pai, militar, deu-me duas opções: ou eu iria a um psicólogo ou à Comunhão. Foi então que eu disse: vou à Comunhão para provar para o senhor que o que eu tenho não tem nada a ver com o Espiritismo... (risos). A partir de então, nunca mais deixei a Doutrina Espírita, não só ingressei, como também comecei a palestrar aos quinze anos de idade, na Comunhão.


A reencarnação é um dos pilares do Espiritismo que o diferencia de outras religiões cristãs. Em que medida a perspectiva reencarnacionista modifica a relação do indivíduo com o mundo?


Modifica de todas as maneiras. Quando você acredita que não vivemos uma única vez, que já estamos, nessa vida, reencontrando pessoas ou em vias de as reencontrar, você sente-se um pouco mais responsável, um pouco mais compromissado com a mensagem que você deixará para o mundo. Você saberá que uma única vida é pouco demais para o quanto você pode amar, para o quanto você pode ser feliz, e, até mesmo, para o quanto você pode infelicitar os outros – consciente da lei de ação e reação. A crença reencarnacionista também atribui humildade, embora muitos de nós demoramos muito a aprender com as provas que nos são determinadas. Certa vez, os espíritos contaram-me que eu reencarnei duas vezes sem a capacidade de falar, para compreender o valor da palavra bem colocada. Por duas vidas, eu fui desejosa de falar, mas tive de apenas ouvir. Trata-se de um processo de educação inescapável.


Em suas palestras, o lema principal é falar da vida e de como encarar os dilemas que assolam a sociedade atual. De que maneira a Doutrina Espírita pode acalentar as dores tão presentes na vida e na alma dos que sofrem?


A Doutrina Espírita acalenta o indivíduo de diversas formas. Desde o início, fui orientada a falar sobre a vida. Diziam-me que se eu ficasse apenas lendo para a plateia, as pessoas iriam voltar para suas casas com os mesmos dramas. Então, segui a proposta e comecei a falar sobre os dilemas da vida. A homossexualidade, por exemplo, foi tópico de palestra proferida por mim aos 19 anos. Atualmente, parece uma banalidade debater sobre esse assunto, mas, na época, muitas pessoas questionaram-me o porquê de uma garota tão jovem falar sobre um tema tão espinhoso, ao que respondia: “porque os espíritos mandaram”. Vejam só, eles sabiam da importância de não se furtar a nenhuma temática e que os dramas, como a homossexualidade, já deveriam ser abordados de forma amorosa e humana. Observe que a maior preocupação dos amigos espirituais é conceder-nos ferramentas para lidar com a vida e lembrar-nos sempre que o corpo é uma veste transitória. Por agora, ele é nossa manifestação, mas somos eternos; vamos deixá-lo e habitar outros. O importante é saber que este é somente um estágio, e, quando você aceita essa premissa, aproveita-se da melhor maneira o momento em que se vive, e, ao mesmo tempo, busca-se deixar no coração do outro o máximo de boas lembranças que puder.


Como a senhora já demonstrou, o Espiritismo não se esquiva de abordar questões que atualmente estão em voga, como o aborto. Qual sua perspectiva a respeito do avanço dos debates sociais em torno de temáticas que aparentemente agridem a tradição religiosa-cristã?


Acredito que não podemos deixar de discutir sobre dilemas que continuam a afligir a sociedade. Já tive problemas sérios com organizadores de congressos e encontros, pois, aonde quer que eu esteja, a plateia sempre direciona as perguntas mais capciosas a mim, às quais eu não me furto a responder. Há temáticas que devemos debater não somente como religiosos, mas também como cidadãos. Na religião que seu coração abraça, deixar de discutir certo tema significa assumir que aquele problema não existe. Por essa razão, temos sim o dever de discutir. Posso não mudar minha opinião, nem você a sua, mas iremos colocar em pauta a aflição, a angústia, o desespero de pessoas que, muitas vezes, se acham à margem da sociedade e das religiões. O aborto, por exemplo, é um procedimento praticado há algum tempo, mas que, atualmente, está intimamente relacionado às desigualdades sociais. As meninas ricas vão ao Canadá; as meninas pobres morrem no banheiro da própria casa. Isso tem de ser discutido pela sociedade, porque, caso contrário, continuará acontecendo. Eu acho que, quando os espíritos falaram para mim, há tantos anos, “vamos falar da vida”, eles sabiam muito bem que as transformações que o tempo provocaria fariam necessária uma discussão mais profunda sobre diversas temáticas.


Um dos lemas principais da Doutrina Espírita é “Fora da Caridade não há Salvação”. Qual o papel da caridade para o Espiritismo?


É total. Allan Kardec determinou a caridade como a máxima que deveria nortear nosso destino. Eu recordo-me muito de uma fala do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que fundou a campanha “Natal sem Fome”, enquanto ainda estava encarnado. O primeiro “Natal sem Fome” havia sido um sucesso e ele, que era um homem ateu, em entrevista no programa “Roda Viva”, disse: “Eu não posso deixar de elogiar o trabalho dos espíritas”. E explicou que a Campanha Auta de Souza, que era a campanha de caridade do Espiritismo, alcançava rincões tão ignorados do país, que ele conseguiu levar comida a lugares que não sabia nem que existiam. Eu nunca me esqueci disso. Os espíritos ensinam que, através do bem que você faz ao outro, você pode mudar o seu destino e, até mesmo, minimizar o peso de provas que deixou determinadas ao reencarnar. Há muitos anos, contavam os espíritos, por intermédio do Chico (Xavier), que um homem havia sido senhor de escravos e tinha o hábito de moer os braços dos seus subordinados na máquina de cana, como forma de punição. Após um tempo, ele reencarnou como operário, em São Paulo, com o compromisso de, um dia, na fábrica, perder o braço, conforme ele havia feito com os escravos. Ainda jovem, conheceu o Espiritismo e começou a trabalhar na Campanha Auta de Souza, fazendo o bem com verdade e com carinho. Quando chegou o dia pré-estabelecido para seu compromisso ser executado, ele perdeu apenas parte dos dedos. Não somente a dor minimiza as provas, mas também o amor. No fundo, a Campanha Auta de Souza simboliza a capacidade transformadora do bem que você faz pelo próximo.


Suas palestras são cada vez mais assistidas, assim como seu programa Conversando com Mayse, e o interesse por filmes e novelas espíritas também está aumentando. Qual seria a razão da busca crescente pelo Espiritismo, de acordo com sua experiência?


Os tempos são muito difíceis. Eu sei que toda geração acha que seu tempo é o mais difícil, mas o nosso não está fácil. As pessoas estão mostrando seu pior, em muitas circunstâncias, tornando árdua a tarefa de manter as boas vibrações e os pensamentos positivos. Diante desse contexto, eu acredito que, de fato, apresentar as questões espirituais por todos os meios possíveis, como a televisão e o cinema, consiste em um plano superior. Felizmente, vemos, cada vez mais, as pessoas buscando conteúdo com uma mensagem positiva. Creio que essa busca não tem fim e que as pessoas continuarão chegando por meio dessas mídias. O que de fato importa é que, mesmo que elas não fiquem na Doutrina, que elas levem sempre aquela mensagem consigo.


As estatísticas mostram crescentes índices de suicídio no Brasil e no Mundo. Segunda sua vivência espírita, quais seriam as abordagens para se evitar esse flagelo social que estamos testemunhando?


É inacreditável que o suicídio já seja a segunda causa de morte de garotos de 15 a 29 anos no Brasil. O pensamento suicida não é algo que surge de um dia para o outro; é uma ideia alimentada pela indiferença, pela solidão, pelo processo depressivo – por vezes, advindo de vidas que já se foram e, até mesmo, pela influência de almas sofredoras. Por essa razão, eu acho extremamente necessário estimular o interesse real pelo indivíduo. Devemos fazer-nos presentes para as pessoas que nos cercam e atentos para os sinais de sofrimento daqueles que nos são caros. Pais, por exemplo, devem saber, sim, quem são os amigos do filho, que tipo de influência ele está vivenciando, porque está quieto, porque não come, porque as notas diminuem. Embora os espíritos nos digam que, nos próximos anos, ainda ficaremos estarrecidos com o número de pessoas que irão desistir de viver, devemos persistir no exemplo que Chico (Xavier) recomendava: o de trabalhar no bem até esgotar as energias.


Frente à descrença que estamos experienciando em relação à nossa sociedade, teria uma mensagem de esperança para as gerações futuras, de acordo com o Espiritismo?


Quando os espíritos conversam comigo, sempre dizem que cada ouvinte de minhas palestras deve ser um multiplicador. Dizem também que a maioria dos jovens vieram nessa vida com o propósito de, em suas futuras ocupações, terem ascendência sobre um número grande de pessoas. E é por essa razão que eles estão tendo acesso a tantas informações e possibilidades, porque um dia, em algum momento, eles lembrarão de algo que foi dito ou lhes passado; e com esse conhecimento serão capazes de modificar sua realidade e a daqueles que o cercam, que é só o que importa para os espíritos.


Dito isso, tem uma frase do Doutor Bezerra de Menezes, que está no túmulo do meu pai e que eu adoro: “Não há ponto final para o amor, porque o amor é vida e vida é eternidade”. Se nós pensarmos em termos de eternidade, tudo o que nós fizermos para que o outro seja feliz e para que nós sejamos também, terá valido à pena. Essa mensagem de esperança é, antes de tudo, uma mensagem de não desistir, de acreditar em você mesmo. Ainda que você não acredite em Deus, não acredite em nada em volta, acredite em você! Tenha ciência de que aquelas horas difíceis passam, assim como também passam as boas. Então, peça apenas que as forças do bem protetoras do universo te apoiem nas horas difíceis, para que elas sejam alimento para os momentos felizes que virão.

Uma mensagem final para os leitores do Consciência Ecumênica?


Que todos nós acreditemos sempre que as melhores coisas da nossa vida ainda vão chegar, não importa a nossa idade física, a nossa situação financeira, o nosso conhecimento ou a falta dele. Nem mesmo a solidão deve ser obstáculo para a esperança. Se não encontramos ninguém, dediquemo-nos a amar, sem sermos amados, que é o grande desafio da alma. Não pensemos em agir somente se a vida nos trouxer algo como recompensa. Talvez ela não retribua tão cedo, mas nós vamos dar à vida. Nós vamos deixar, em cada coração que passar por nós, uma mensagem de perseverança. Repitamos para nós e para quem mais precisar: ainda é cedo pra desistir, ainda é cedo para desanimar, eu vou tentar um pouco mais, eu vou dar mais alguns passos, eu vou esperar o dia de amanhã, eu vou acreditar que as grandes surpresas do meu destino ainda estão sendo planejadas e irei trabalhar por elas - eu vou em busca do arco-íris! ■

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